domingo, 2 de março de 2008

Bobbio - Representação Política

Do caráter pluralista e policêntrico da sociedade derivam as diversas questões sobre a representação política. Esta é cuidadosamente distinta por Bobbio da representação dos interesses:

“O princípio sobre o qual se funda a representação política é a antítese exata do princípio sobre o qual se funda a representação dos interesses, no qual o representante, devendo perseguir os interesses particulares do representado, está sujeito a um mandato vinculado” (pg 36)

Isto significa que a representação política deve, segundo a doutrina democrática, perseguir os interesses gerais, e não particulares, e por isso não deve ter um mandato imperativo, ou seja, revogável a qualquer momento pelos representados. O representante político representa a nação, e não uma ou outra categoria.

Cabe aqui a distinção entre delegado e fiduciário. O delegado é apenas um embaixador dos interesses de seus representados, podendo ter seu mandato revogado ad nutum. Já o fiduciário, uma vez eleito, não mantém o vínculo com seus representados, “na medida em que, gozando da confiança deles, pode interpretar com discernimento próprio os seus interesses” (pg 58)

O representante, no regime democrático, é um fiduciário, e não um delegado, devendo defender os interesses gerais da nação e não somente aqueles de seus eleitores.

Começa exatamente aqui a polêmica. O próprio autor afirma que “jamais um princípio foi mais desconsiderado que o da representação política”. E isso, basicamente, por dois motivos: 1. cada grupo tende a identificar o seu próprio interesse com o interesse nacional; a capacidade do representante de discernir entre os próprios interesses e os interesses gerais (se é que se pode saber quais são eles) baseia-se na concepção iluminista do sujeito soberano e consciente; 2. se não existe uma mandato imperativo entre o representante e seus eleitores, com certeza ele existe entre o representante e o partido ao qual pertence.

Tudo isso sem mencionar que os representantes políticos também acabam por constituir uma categoria própria com interesses particulares, uma vez que “não vivem apenas para a política mas vivem da política”. (pg 60) Dessa maneira, a representação política da forma como é concebida pela teoria democrática acaba ocupando mais o plano do mito que o da realidade.

Surgem então críticas em duas linhas diferentes: 1. à representação fiduciária, em nome de um vínculo mais estreito entre representante e representado; 2. à representação dos interesses gerais, feita em nome de uma representação mais orgânica e funcional dos interesses particulares.

O autor esclarece que “nenhuma das duas propostas inovadoras com respeito ao sistema representativo clássico transforma a democracia representativa em democracia direta”. (pg 61) Isto pela simples razão de que a democracia direta implica a não-existência de intermediários. “A expressão democracia representativa significa genericamente que as deliberações coletivas, isto é, as deliberações que dizem respeito à coletividade inteira, são tomadas não diretamente por aqueles que dela fazem parte mas por pessoas eleitas para esta finalidade”. (pg 56) O que se propõe através destes dois filões críticos é, contudo, uma diferente relação com o representante. Porém, aquele que propõe um sistema democrático onde os representantes sejam revogáveis é o que mais se aproxima da democracia direta, tornando-se uma forma “anfíbia”, intermediária.

Bobbio não acredita que a democracia direta seja viável pela própria natureza dos institutos da democracia direta: a assembléia dos cidadãos e o referendum. A primeira só consegue existir na pequena comunidade, a exemplo das cidades gregas, onde “reunia-se com todos juntos no lugar estabelecido”. (pg 65) O segundo é um recurso utilizável apenas em circunstâncias extraordinárias, do contrário demandaria um excesso de participação que inviabilizaria a própria participação.

Este ponto merece a máxima atenção. Bobbio tem razão se consideramos o espaço público onde ocorre a assembléia como um espaço físico, e se o custo da participação no referendum for realmente proibitivo, a não ser que, nas palavras do próprio autor, “cada cidadão possa transmitir seu voto a um cérebro eletrônico sem sair de casa e apenas apertando um botão”. (pg 66)

A introdução das mídias digitais relativiza completamente esta questão. Não apenas pela possibilidade real de viabilizar o voto eletrônico e baixar o custo da participação a apertar um botão, sem nem mesmo sair de casa; criando novos espaços, virtuais, meta-territoriais, não só possibilita a criação de um espaço público, sem limitações físicas, onde a “assembléia” pode se encontrar, mas também porque torna possível que o indivíduo trafegue por estes espaços e vivencie realidades que não necessariamente estão ligadas à sua experiência territorial (interessando-se, participando e decidindo por questões muitas vezes distantes de seu cotidiano direto).

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